quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Soneto da perda (Ruy Espinheira Filho - 1942)

Perdeu aquele dia
e, com ele, a hora.
Tão perdido estava
que não fez o gesto

com que acenderia
o lume da aurora
que o guiaria
pelo mundo afora

desde aquele dia,
desde aquela hora,
ao longo da estrada

pela qual viria
para estar vivendo
outra vida agora.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Canção que eu gostaria de não ter escrito (Ruy Espinheira Filho - 1942)

Agora não tem mais jeito:
a vida ficou assim.
Não há o que possa ser feito,
isso é tudo, hoje, de mim.

De esperança, o que ainda resta
não dá para uma paisagem
desdobrada em flor e festa
- só tarde de fim de viagem

é o que vejo da janela
em que se debruça a alma.
Há uma luz ainda bela,
e certa brisa de calma,

mas tudo ontem. Agora,
é só este o panorama:
outra visão, outra hora
que no ocaso se derrama

Nem deu pra ver direito
como a vastidão da vida
tornou-se este espaço estreito
e manhã encanecida.

Mas assim foi. E é. E, enfim,
não há o que possa ser feito:
o tempo passou em mim
- e agora não tem mais jeito.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Sonho (Saulo Ramos - 1929)

No sonho meu pai retorna
e fala comigo,
o mesmo velho amigo
dos longos e varridos tempos.
Vejo-o com absoluta nitidez
e sei que é sonho,
mas tenho medo de acordar
para que ele não morra outra vez.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Prece de poeta (Saulo Ramos - 1929)

De seus gestos escorriam
neblinas que sussurravam
ânsias de riachos vindos
de angústias inexplicadas.
Braços abertos, no chão
a sombra de suas mãos
era névoa esparramada
pela calma de sonhar.

De repente um vôo aquece
o silêncio das angústias.
Ele sopra suas mãos
postas em formas de conchas,
e sua alma se desprende
do sonho e se vai, riscando
de azul a calma da névoa,
e suas mãos jogam sementes
grávidas de flor.

Era um poeta rezando.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

A pedra (Manoel de Barros - 1916)

Pedra sendo
Eu tenho gosto de jazer no chão.
Só privo com lagarto e borboletas.
Certas conchas se abrigam em mim.
De meus interstícios crescem musgos.
Passarinhos me usam para afiar seus bicos.
Às vezes uma garça me ocupa de dia.
Fico louvoso.
Há outros privilégios de ser pedra:
a - Eu irrito o silêncio dos insetos.
b - Sou batido de luar nas solitudes.
c - Tomo banho de orvalho de manhã.
d - E o sol me cumprimenta por primeiro

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Não sei dançar (Manuel Bandeira - 1886 - 1968)

Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...
Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.

Sim, já perdi, pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também,
é por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.

Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!
Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.

Mistura muito excelente de chás...
Esta foi açafata...
- Não foi arrumadeira.
E está dançando com o ex-prefeito municipal.
Tão Brasil!

De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil...
Há até a fração incipiente amarela
Na figura de um japonês.
O japonês também dança maxixe:
Acugelê banzai!
A filha do usineiro de Campos
Olha com repugnância
Para a crioula imoral.
No entanto o que faz a indecência da outra
É dengue nos olhos maravilhosos da moça.
E aquele cair de ombros...
Mas ela não sabe...
Tão Brasil!

Ninguém se lembra de política...
Nem dos oito mil quilômetros de costa...
O algodão do Seridó é o melhor do mundo?...Que me importa?
Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos,
A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca.
Eu tomo alegria!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

De longe te hei de amar (Cecília Meireles - 1901 - 1964)

De longe te hei de amar,
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo a constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Alegoria (Abgar Renault - 1901 - 1995)

Em vão busco acender um diálogo contigo:
a alma sem tom da tua boca de água e vento
despede cinza, névoa e tempo no que digo,
devolve ao chão o meu mais longo pensamento,

e entre cactos estira esse deserto contigo:
que vem de tua altura ao vale onde me ausento,
procurando o teu verbo. O silêncio, investigo-o,
e ouço o naufrágio, o vácuo e o deperecimento.

Sonho: desces a mim em um céu de algas e rosas,
falas às minhas mãos vozes vertiginosas,
e palavras de flor no teu cabelo enastro.

Desperto: pairas ainda em silêncio e infinita:
meu ser horizontal chora treva e medita
tua distância, teu fulgor, teu ritmo de astro.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Soneto de quarta-feira de cinzas (Vinícius de Moraes)

Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De uma brancura de manhã raiada

Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada

Porque te vi nascer de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura

Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo, e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Semelhança (Mariana Ianelli - 1979)

– E se a tua mudez
For a superfície de um lago
Que nada recusa refletir

E se eu ali mergulhado
Feito um cego
Compreender
Que o rosto que me falta ver
É este rosto
Que sempre te ofereço
Mas que frente a frente
Jamais encontrei

E se o pranto for a verdade
Do canto

O assombro de um horizonte
Tão brando
Que desde longe me obriga
A trazer à tona, um dia,
O teu rosto refletido –

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Fronteira (Miguel Torga - 1907 - 1995)

De um lado terra, doutro lado terra;
De um lado gente, doutro lado gente;
Lados e filhos desta mesma serra,
O mesmo céu os olha e os consente.

O mesmo beijo aqui; o mesmo beijo além;
Uivos iguais de cão ou de alcatéia.
E a mesma lua lírica que vem
Corar meadas de uma velha teia.

Mas uma força que não tem razão,
Que não tem olhos, que não tem sentido,
Passa e reparte o coração
Do mais pequeno tojo adormecido.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Essa que eu hei de amar... (Guilherme de Almeida - 1890 - 1969)

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.

E quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,

Quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…

E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Chopp (Carlos Pena Filho - 1929 - 1960)

Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.
Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.
Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados

Deus disse (Manoel de Barros - 1916)

Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Auto-retrato falado (Manoel de Barros - 1916)

Venho de um Cuiabá garimpo e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda de bananas no Beco da
Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá, entre bichos do
chão, pessoas humildes, aves, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de
estar entre pedras e lagartos.
Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.
Já publiquei 1o livros de poesia; ao publicá-los me
sinto como que desonrado e fujo para o
Pantanal onde sou abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei - pelo
que fui salvo.
Descobri que todos os caminhos levam à ignorância.
Não fui para a sarjeta porque herdei uma fazenda de
gado. Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral, porque só
faço coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Dilema (Antonio Cícero - 1945)

O que muito me confunde
é que no fundo de mim estou eu
e no fundo de mim estou eu.
No fundo
sei que não sou sem fim
e sou feito de um mundo imenso
imenso num universo
que não é feito de mim.
Mas mesmo isso é controverso
se nos versos de um poema
perverso sai o reverso.
Disperso num tal dilema
o certo é reconhecer:
no fundo de mim
sou sem fundo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Saudades (Mia Couto - 1955)

Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trêmula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vazia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
que atormentam o meu sono.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Aprendizado (Ferreira Gullar - 1930)

Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.

Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão

que a vida só consome
o que a alimenta.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Eupoema (Décio Pignatari - 1927 - 2012)

O lugar onde eu nasci nasceu-me
num interstício de marfim,
entre a clareza do início
e a celeuma do fim.

Eu jamais soube ler: meu olhar
de errata a penas deslinda as feias
fauces dos grifos e se refrata:
onde se lê leia-se.

Eu não sou quem escreve,
mas sim o que escrevo:
Algures Alguém
são ecos do enlevo.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Pausa (Ana Maria Lopes)

Eu tenho na memória
a curva que seu braço
descreve
ao me envolver no abraço
O roçar da barba malfeita
que irrita meu rosto
e que aflita me faz em risos
antecipando o gozo
ao trançar as pernas
E nossos corpos
qual uma cruz
posta no leito
se desmancham
e se derretem
Sua célula é minha célula
o meu suor mata a sua sede
nossos líquidos nos regam
nossas vozes se calam
Vogais e consoantes
se fazem desnecessárias
E todo o silêncio em volta
volta em forma de beijos

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Ele (Ana Maria Lopes)

Ele veio do nada
e me convidou a dançar
e dancei
e dançamos
então ele me encheu de risos
e levou graça à minha vida

e ele me deu carinho
me deu seu colo
conversou conversas de dois
e nos transformou em casal

e mais que casal ficamos
porque nos embolamos
e já não sabíamos
quando começava um
e terminava o outro

assim ele me mostrou o mundo
e que além dele
podia haver amigos
podia se ser amantes

e me deu a certeza
de que também além da dor
havia uma mão
pronta à carícia
ávida por dividir
e assim somavam os dois

logo se foi percebendo
que a vida vivida
e o amor destinado
fazia de cada um
um cúmplice
um cumpra-se
um cálice
um álibi para dois algemados

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Uma lenda (Felipe Fortuna - 1963)

Uma noite adentrei com fogo e vinho
no centro de uma festa sem palavras,
e aquilo que eu trouxe, fui roubado,
e bêbados se queimaram em fogo e vinho.
E voltei como quem perde chão e rastro
(parecia que pisava alguns venenos
que nasciam por ali em folhas grandes)
e cheguei assim perdido do que eu era.

Outra noite voltei com fogo e vinho,
da mesma cor e álcool rubro derramados,
mas na festa os homens murmuravam, e nomes
confusos me invadiram: fui roubado.
E adentrei em casa sem mais nada,
braços longos e vazios de amor e dedos
e percorri-me sem achar qualquer consolo,
e assim deitei o medo que trazia já com sono.

Mais uma noite fui com fogo e vinho,
iguais em calor e embriaguez,
mas os homens já falavam largos versos,
eram claros e disseram: - Basta disso.
E cheguei em casa calmo e agradecido
ao fogo e vinho quentes que eu tinha,
pois dei a fala aos homens, que me odeiam
por deixá-los saber que estão vivos.

Dentro (André Luiz Pinto - 1975)

estes vasos, canos
de fundo e
vértebra, flor em
flauta, náusea
e terror. estes
vasos de lama
e seda, estas
veias estúpidas
estrumes de
sangue. vazar
por dentro e de fora
vasa barris
largos de favela
percorrem canudos.
estes laços de garganta
promessas de língua
sem pesos de luz
negociar, negociar
mundos
e fundos de terra
parida e ausência
sob as tripas
de mais um homem.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O baú (Mario Quintana - 1906 -1994)

Como estranhas lembranças de outras vidas,
que outros viveram, num estranho mundo,
quantas coisas perdidas e esquecidas
no teu baú de espantos... Bem no fundo,

uma boneca toda estraçalhada!
(isto não são brinquedos de menino...
alguma coisa deve estar errada)
mas o teu coração em desatino

te traz de súbito uma ideia louca:
é ela, sim! Só pode ser aquela,
a jamais esquecida Bem-Amada.

E em vão tentas lembrar o nome dela...
e em vão ela te fita... e a sua boca
tenta sorrir-te mas está quebrada!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Poema (Mario Quintana - 1906 - 1994)

Oh! aquele menino que dizia
"Fessora, eu posso ir lá fora?"
Mas apenas ficava um momento
Bebendo o vento azul...
Agora não preciso pedir licença a ninguém.
Mesmo porque não existe paisagem lá fora:
Somente cimento.
O vento não mais me fareja a face como um cão amigo...
Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Intimidade (Mario Benedetti - 1920 - 2009)

Sonhamos juntos
juntos despertamos
o tempo faz ou desfaz
enquanto isso

não lhe importa teu sonho
nem meu sonho
somos torpes
ou cuidadosos demais

pensamos que não cai
essa gaivota
acreditamos que é eterno
esse feitiço
que a batalha é nossa
ou de ninguém

juntos vivemos
sucumbimos juntos
mas essa destruição
é uma piada
um detalhe um sopro
um vestígio
um abrir e fechar
o paraíso

já nossa intimidade
é tão imensa
que a morte esconde
em seu vazio

quero que me contes
o luto que te cala

da minha parte te ofereço
minha ultima confidência

estás só
estou só
mas às vezes
pode a solidão
ser
uma chama.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Não te salves (Mario Benedetti - 1920 - 2009)

Não fiques imóvel
na beira do caminho
não congeles o júbilo
não queiras com apatia
não te salves agora
nem nunca
não te salves
não te enchas de calma
não reserves do mundo
só um recanto tranquilo
não deixes cair as pálpebras
pesadas como julgamentos
não fiques sem lábios
não durmas sem sono
não te penses sem sangue
não te julgues sem tempo

porém se
apesar de tudo
não podes evitar
e congelas o júbilo
e queres com apatia
e te salvas agora
e te enches de calma
e reservas do mundo
só um recanto tranquilo
e deixas cair as pálpebras
pesadas como julgamentos
e te secas sem lábios
e adormeces sem sono
e te pensas sem sangue
e te julgas sem tempo
e ficas imóvel
na beira do caminho
e te salvas
então
não fiques comigo.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Juro dizer a meia-verdade (Ricardo Silvestrin - 1963)

Juro dizer a meia-verdade
a meia-mentira
o centauro por inteiro

nada mais que a sedução da sereia
o passo em falso, verdadeiro
na beira de um desfiladeiro

juro com a mão direita
sobre a bíblia
e a mão esquerda abanando

em nome de Deus, de Zeus
de Oxalá ou da besta

juro que os que quiserem
somente a verdade
vão perder o melhor da festa

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A um poeta (Olavo Bilac - 1865 - 1918)

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima , e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplicio
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.