terça-feira, 30 de abril de 2013

Meio-dia (Orides Fontela - 1940 - 1998)

Ao meio-dia a vida
é impossível.

A luz destrói os segredos:
a luz é crua contra os olhos
ácida para o espírito.

A luz é demais para os homens.
(Porém como o saberias
quando vieste à luz
de ti mesmo?)

Meio-dia! Meio-dia!
A vida é lúcida e impossível!

segunda-feira, 29 de abril de 2013

A coroa de rosas (Eugênio de Castro - 1869 - 1944)

A fim, oculto amor, de coroar-te,
de adornar tuas tranças luminosas,
uma coroa teci de brancas rosas,
e fui pelo mundo afora, a procurar-te.

Sem nunca te encontrar, crendo avistar-te
nas moças que encontrava, donairosas,
fui-as beijando e fui-lhes dando as rosas
da coroa feita com amor e arte.

Trago, de caminhar, os membros lassos,
acutilam-me os ventos e as geadas,
já não sei o que são noites serenas...

Sinto que vais chegar, ouço-te os passos,
mas ai! nas minhas mãos ensangüentadas
uma coroa de espinhos trago apenas!

domingo, 28 de abril de 2013

A um irmão ausente (Baltasar Estaço - 1570 - ?)

Dividiu o amor e a sorte esquiva
em partes o sujeito em que morais;
este corpo tem preso onde faltais,
esta alma onde andais anda cativa.

Contente na prisão, mas pensativa,
porque este mal tão mal remediais,
que vós comigo lá solto vivais,
e eu sem mim e sem vós cá preso viva.

Mas lograi desse bem quanto lograis,
que eu como parte vossa o estou logrando
e sinto quando gosto andares sentindo;

cá folgo, porque sei que lá folgais,
porque minha alma logra imaginando
o que lograr não pode possuindo.

sábado, 27 de abril de 2013

Nihil (Guimarães Passos - 1867 - 1909)

Sem aos outros mentir, vivi meus dias
desditosos por dias bons tomando,
das pessoas alegres me afastando
e rindo às outras mais do que eu sombrias.

Enganava-me assim, não me enganando;
fiz dos passados males alegrias
do meu presente e das melancolias
sempre gozos futuros fui tirando.

Sem ser amado, fui feliz amante;
imaginei-me bom, culpado sendo;
e se chorava, ria ao mesmo instante.

E tanto tempo fui assim vivendo,
de enganar-me tornei-me tão constante,
que hoje nem creio no que estou dizendo.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Horas mortas (Alberto de Oliveira - 1859 - 1937)

Breve momento, após comprido dia
de incômodos, de penas, de cansaço,
inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta à luz tardia
do luar em cheio a clarear no espaço,
vejo-te vir, ouço-te o leve passo
na transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas,
tornando logo à etérea imensidade;

e na mesa a que escrevo apenas fica
sobre o papel - rastro das asas tuas -
um verso, um pensamento, uma saudade.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Por decoro (Artur Azevedo - 1855 - 1908)

Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;

quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculo te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando às rosas as purpúreas cores;

os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, lânguidos, tranqüilos,
olham, meu doce amor, de tal maneira,

que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Vesperal (Antônio Sardinha - 1888 - 1925)

Se eu te pintasse, posta na tardinha,
pintava-te num fundo cor de olaia,
na mão suspensa, nessa mão que é minha,
o lenço fino acompanhando a saia!

Vejo-te assim, ó asa de andorinha,
em ar de infanta que perdeu a aia,
envolta numa luz que te acarinha,
na luz que desfalece e que desmaia!

Com teu encanto os dias me adamasques,
linda menina ingênua de Velásquez
a flutuar num mar de seda e renda.

Deixa cair dos lábios de medronho
a perfumada voz do nosso sonho,
mas tão baixinho que só eu entenda!

Teus cabelos (Gilberto Amado - 1887 - 1969)

Quero louvar o zelo desenvolto
com que arranjas o próprio desmazelo,
é sempre para mim cabelo solto
por melhor penteado o teu cabelo.

Em doce névoa de volúpia envolto
gozo contente o descuidado zelo
com que logras fazer de um mar revolto
de ondas lisas o clássico modelo.

Mergulham minhas mãos na noite funda
da perturbante tempestade em ordem
que o teu rosto claríssimo circunda.

E encontram minhas mãos onde mergulham
um ninho de relâmpagos que mordem,
novelos de serpentes que fagulham.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Ferramentas (César Pereira - 1934)

Junto palavras
como quem inventa moinhos

Tão cálido é o gesto
que me nascem
pássaros e ninhos

Entre espadas e fuga
busco caminhos
escondo a ruga

Domo palavras
e excessos de que me inundo
Enxugo as ferramentas
e a cada manhã
reinvento o mundo.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Estrela da manhã (Manuel Bandeira - 1886 - 1968)

Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa? Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã

domingo, 21 de abril de 2013

Ninguém me habita (Thiago de Mello - 1926)

Ninguém me habita. A não ser
o milagre da matéria
que me faz capaz de amor,
e o mistério da memória
que urde o tempo em meus neurônios,
para que eu, vivendo agora,
possa me rever no outrora.
Ninguém me habita. Sozinho
resvalo pelos declives
onde me esperam, me chamam
(meu ser me diz se as atendo)
feiúras que me fascinam,
belezas que me endoidecem.

sábado, 20 de abril de 2013

O morno resplendor (Thiago de Mello - 1926)

Longe de ti, me freqüento
o coração estrelado.
A madrugada é sonora.
Canto o teu dorso.

Não estás comigo, te ouço.
Distante das minhas mãos
afago a tua lembrança.
És o meu rio.

O resplendor que se alteia
dos teus movimentos mornos,
na tua ausência se inflama:
suave o teu pescoço.

Esta mão que me escreve
se estreme porque guarda
um palor de madrepérola:
tua pele se arrepia.

Pela prenda delicada
da vida, que te fez minha,
sonho a certeza do fim:
sejas tu perto de mim.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Naquela casa azul e avarandada (Hilda Hilst - 1930 - 2004)

Naquela casa azul e avarandada
As mulheres fiavam como irmãs.
Se eram de um mesmo pai as maduradas,
A que foi mãe, amou. Memórias vãs.

De todas em amor o pai cuidava
Repartindo suas terras e suas lãs.
E a que pariu em dor, a mais amada
Vigia sob a terra as tecelãs.

Se ao longo do meu rio, nos arrozais,
Avistardes a casa e as mulheres
(Dedos de azul em luz sobre o teor)

Que o passo seja breve. E muito mais
É dizer-vos que tecem malmequeres
E em vão se aquecem sob o vosso olhar.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Minha cabeça cortada (Paulo Leminski - 1944 - 1989)

Minha cabeça cortada
Joguei na tua janela
Noite de lua
Janela aberta

Bate na parede
Perdendo os dentes
Cai na cama
Pesada de pensamentos

Talvez te assustes
Talvez a contemples
Contra a lua
Buscando a cor de meus olhos

Talvez a uses
Como despertador
Sobre o criado-mudo

Não quero assustar-te
Peço apenas um tratamento condigno
Para essa cabeça súbita
De minha parte

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Não saberão de mim (José Eduardo Degrazia - 1951)

Não saberão de mim
os estudantes tímidos e abandonados
nos quartos de pensões e repúblicas,
não saberão de mim
as costureirinhas pálidas
nos seus tugúrios de linhas e carretéis,
não saberão de mim
os condutores de locomotivas,
não saberão de mim
os mineiros de mãos de barro e carvão,
nascidos na névoa viva no fundo da mina,
não saberão de mim
os camponeses queimados de sol
em plena colheita do verão,
não saberão de mim
as professorinhas insones
dos colégios de arrabalde,
não saberão de mim
as balconistas das lojas de delicatessen
envoltas em suas auras de sonho,
não saberão de mim as manicures
de mãos macias e olhos tristes.

Não saberão de mim,
e, no entanto,
foi para eles que escrevi
os meus melhores poemas.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Na prefeitura velha (José Eduardo Degrazia - 1951)

Porto Alegre sábados à tarde
enche-se toda de rumor de asas,
pombos que da Prefeitura Velha
revoam nos ares em debandada.

Nesta tarde de outono inaugural,
há meninos a brincar nas praças,
velhos funcionários em conversa
deixam-se ficar frente à Alfândega.

Namorados andam de mãos dadas,
olham os cartazes do cinema,
move um filme mudo nos seus olhos.

E no Guaíba, aos poucos, se ilumina
uma multidão sem fim de estrelas:
a noite bela e fria do Rio Grande.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Cabeça feita (Humberto Gabbi Zanatta - 1948)

Branquearam todos os meus cabelos loiros
melena atávica a iludir-me os dias
a prenunciar no dealbar da vida
Sansão que nunca se revelaria.

Loiros e cheios na primeira infância
em caracóis pra parecerem lindos
longos e lisos na jovem guarda hippie
num paz e amor de guerra se esvaindo.

Não tive forças na gadelha vasta
e nem aplausos na beleza exótica
só gozação, pois ia ficando gasta.

Agora, raros, são meu galardão
a zombarem numa ilusão de ótica
dos tempos áureos que não voltarão.

domingo, 14 de abril de 2013

Minha leitora preferida (Dilan Camargo - 1948)

Ela não lê o que escrevo
só lê o livro que eu vivo.
Ela me lê por doce enlevo
tenho a leitora que preciso.

Eu a leio e a transcrevo
já decifrei a sua leitura
leio sua encosta e seu relevo
os seus flancos e a sua ternura.

Minha leitora preferida
não pesquisa em dicionário
minha obra de escriturário
é das mais fáceis de ser lida.

A minha leitora amada
é o meu prêmio literário
tem o sorriso de uma fada
o zelo de um bibliotecário.

Somos dois leitores completos
e assim me lê e a leio
Eu nos sonhos de alfabeto
ela com gosto de recheio.

sábado, 13 de abril de 2013

O olhar (Dilan Camargo - 1948)

quando a vida for um sonho uniforme
a terra esgotar o sal, o ar, a memória

quando o homo sapiens
transformar-se em homogêneo sapo

quando a linha do horizonte
ocultar o mundo numa só miragem

quando formos peixes imigrantes
de uma tela de cristal líquido

quando demarcarmos as fronteiras
aquém de uma geografia civil

quando nosso modo de amar
for um verbo de amargura
restará
o olhar humano
e tudo poderá
ser diferente
ainda distante
do ponto final

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Da matéria (Paulo Roberto do Carmo - 1941)

De que matéria é feito o desejo,
do acicate de um demônio nas ilhargas
ali onde espreita um chacal a salivar de fome?

De que matéria é feita a paixão,
das larvas que depositam os ovos
no lenho da cruz de um narciso que pensa que é deus?

De que matéria é feita a saudade,
do leite de uma hiena que se ordenha
para alimentar a memória das culpas?

De que matéria é feita a morte,
do mesmo êxtase em que se putrefazem
o tigre e a flor, os deuses, o rei e o anjo?

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Como morre um homem (Paulo Roberto do Carmo - 1941)

Que ninguém pergunte ao vento
como morre um homem.

De ofendido morre um homem
quando do peito perde a palavra
e mais não há por ele o que lutar
e mais não há por nós o que gritar.
Somos esta longa morte
que não cessa de nos assassinar.

Quando cala, morre um homem,
giboso entre o vinho do rei e o bobo,
premonição cega de sonhos indigentes.

Morre um homem quando perde o nome
e tomba sobre ele o silêncio duma paixão
a salgar o cadáver de seu último desejo.
Morre um homem quando morre o revide
feito despojo para a gula das aves de rapina.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Inventário da paixão (Selvino Heck - 1951)

Minha solidão vence a tua.
Estou sóbrio no meu quarto
Ouvindo música de igreja,
Os pés enrolados em folha de jornal
E notícias do dia.
O torpor da noite acalenta o silêncio,
A não palavra:
Um gesto, um carinho,
Mesmo involuntários,
Poderiam dobrar o coração de pedra.
O espaço é restrito na pele.
A cachaça é má companheira de viagem.
Desconsola a casa fechada
E as malas formadas de frases
Sem ouvido ou rosto.
Uma lágrima, caso rolasse,
Apenas seria um rastro de frieza sem retorno.
Os casos de morte na sexta-feira afetam o cansaço
E a capacidade de ver metade da missa pegar fogo.
Impressões e comentários de um dia descolado de final de inverno,
Sem primavera.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Cansaço (Umberto Guaspari Sudbrack - 1952)

Estou cansado
da perda
do ganho
da solidão
do sonho

cansei
de ver o êxito
da mediocridade
do carreirismo
da torpeza

De esperar a mudança
de ser sincero

Tenho o cansaço
da existência

Mas vivo

Insisto.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Família (Umberto Guaspari Sudbrack - 1952)

Partida:
choro da mãe
conselho do pai
América:
melhor sorte

Joga-se trabalho e amor
na nova terra
venham também os irmãos
mudar a vida
mas haja certo cuidado:
boa pensão
alimento e
afeto

Rendoso o comércio
mas ingrato
os irmãos crescem
aquele quer mais dinheiro
um vai mal no negócio
outro morre de acidente
a família se reúne
mas logo vem a quebra.

sábado, 6 de abril de 2013

Olhar de amor (Regina Lyra - 1958)

Aquele olhar matreiro e ofegante
Trazia por trás das dunas o regaço.
Com o sorriso e o sonhar dos amantes,
Acolheram-se efusivos num abraço.

Sem precisar da palavra falada
O olhar, emudecido de carinho,
Vinha, feito passarinho,
Beijar o olhar lânguido, amado.

Naquele entardecer mágico,
Nada se via de mais grandioso
Do que aquele encontro vestal.

Todavia, o olhar de desejo e assédio
Suspirou nos sentidos desnudados:
E se amaram em uma noite profana.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Você (Ivan Junqueira - 1934)

Você tem todas as cores
- azul, lilás, carmesim -
E dorme sempre ao meu lado,
Entre um bruxo e um querubim.

Você não muda; é assim:
ora se queixa, ora ri,
às vezes não diz palavra
e olha de banda pra mim.

Eu ganhei você um dia,
cheio de laços e fitas;
até guizos você tinha
na gola e nos borzeguins.

Eu pus você entre os livros,
junto às garrafas de vinho,
sob as urzes e as glicínias
que cresciam no jardim.

Mas aos poucos suas cores
foram ficando sem viço,
e a bruma, como um feitiço,
vestiu você de velhice.

Sob o verde pinheirinho,
onde mil luzes cintilam,
vez por outra você brilha
mais até que o sol a pino.

Um dia (claro, é a vida)
você se irá de mansinho,
mas deixará, eu sei disso,
em minha carne um espinho.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Ária marinha (Ivan Junqueira - 1934)

Tecla de sal
clave de sol
acorde oculto
num caracol

Será o espectro
da infância morta
que desabrocha
como um farol?

Serão ginetes
já sem memória
fincando esporas
no azul lençol?

Será meu pai
debaixo d'água
com sua flauta
e seu punhal?

Ou não será
em mim disperso
o som submerso
de outro coral?

Resposta alguma
à tona sobe
mas eu indago
e lanço o anzol

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Artistas (Medeiros e Albuquerque - 1867 - 1934)

Senhora, eu não conheço a frase almiscarada
dos formosos galãs que vão aos teus salões
nem conheço também a trama complicada
que envolve, que seduz e prende os corações...

Sei que Talma dizia aos juvenis atores
que o Sentimento é mau, se é verdadeiro e são...
e quem menos sentir os ódios e os rancores
mais pode simular das almas a paixão.

E, por isto talvez, eu, que não sou artista,
nem nestes versos meus posso infundir calor,
desvio-me de ti, fujo de tua vista,
porque não sei dizer-te o meu imenso amor.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Quando ela fala (Machado de Assis - 1839 - 1908)

Quando ela fala, parece
que a voz da brisa se cala;
talvez um anjo emudece
quando ela fala.

Meu coração dolorido
as suas mágoas exala.
E volta ao gozo perdido
quando ela fala.

Pudesse eu eternamente,
ao lado dela, escutai-a,
ouvir sua alma inocente
quando ela fala.

Minh'alma, já semimorta,
conseguira ao céu alçá-la,
porque o céu abre uma porta
quando ela fala.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Os astros íntimos (Thiago de Mello - 1926)

Consulto a luz dos meus astros,
cada qual de cada vez.
Primeiro olho o do meu peito:
um sol turvo é o meu defeito.
A minha amada adormece
desgostosa do que sou:
a estrela da minha fronte
de descuidos se apagou.

Ela sonha mal do rumo
que minha galáxia tomou.
Não sabe que uma esmeralda
se esconde na dor que dou.

A cara consigo ver,
sem tremor e sem temor,
da treva engolindo a flor.
Percorre a mata um espanto.

A constelação que outrora
ardente cruzava o campo
da vida, hoje mal demora
no fulgor de um pirilampo.

Mas vale ver que perdura
serena em seu resplendor,
mesmo de luz esgarçada,
a nebulosa do amor.

A véspera (Thiago de Mello - 1926)

A véspera já é certeza
que se antecipa chegando
no gosto do que vai ser.

A véspera já aconchega
a tua ausência no riso
com que sabes receber.

Tudo é véspera no amor.
No instante em que se inaugura
minha carícia em teu peito,

ela se sonha descendo,
no dorso da madrugada
pelo côncavo perfeito

dos quadris que se iluminam
quando a luz da minha língua
trabalha a felicidade

misteriosa que se abriga
numa floresta de pêlos,
cidadela da verdade

que tem de clave o meu nome,
e só por isso se entreabre,
desmurada por meu sonho,

para me entregar o sol
que vai acender a vida
toda que vivi de véspera.