segunda-feira, 30 de março de 2015

A galinha cor-de-rosa (Duda Machado - 1944)

Era uma galinha cor-de-rosa,
Metida a chique, toda orgulhosa,
Que detestava pisar no chão.

Cheio de lama do galinheiro.
Ficava no alto do poleiro
E quando saía do lugar,

Batia as asas para voar.
Mas seus pés acabavam na lama.
Aí armava o maior chilique,

Cacarejava, bicava o galo,
E depois, com ar de rainha,
Lavava os pés numa pocinha.

domingo, 29 de março de 2015

O sapo (Ferreira Gullar - 1930)

Aqui estou eu: o Sapo,
Bom de pulo e bom de papo.

Falo mais que João do Pulo,
Pulo mais que João do Papo.

Por cautela, falo pouco,
Pra evitar de ficar rouco.

Mas, na verdade, coaxo.
Sou quem toca o contra-baixo

em nossa orquestra de sapos,
pois com os sons de nossos papos

fazemos nosso concerto:
um som fechado, outro aberto,

um que parece trombone,
outro flauta ou xilofone.

Tocamos em qualquer festa.
O nosso e-mail é orquestra
@sapos.com.floresta>.

sábado, 28 de março de 2015

A pombinha da mata (Cecília Meireles - 1901 - 1964)

Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.

"Eu acho que ela está com fome",
disse o primeiro,
"e não tem nada para comer."

Três meninos na mata ouviram
uma pombinha carpir.

"Eu acho que ela ficou presa",
disse o segundo,
"e não sabe como fugir."

Três meninos na mata ouviram
uma pombinha gemer.

"Eu acho que ela está com saudade",
disse o terceiro,
"e com certeza vai morrer."

sexta-feira, 27 de março de 2015

O menino azul (Cecília Meireles - 1901 - 1964)

O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.

O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

quinta-feira, 26 de março de 2015

Ou isto ou aquilo (Cecília Meireles - 1901 -1964)

Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Ano bom (Olavo Bilac - 1865 - 1918)

Ano Bom. De madrugada,
Bebê desperta, e, assustada,
Avista um vulto na cama.
Que será? Que medo! E, tonta,
Eis que Bebê se amedronta,
Chora, grita, chama, chama...

Mas, quando se abre a cortina,
Quando o quarto se ilumina,
Bebê, de pasmo ferida,
Vê que o medo não é justo:
Pois a causa do seu susto
É uma boneca vestida.

Que linda! é gorda e corada,
Tem cabeleira dourada
E olhos cor do firmamento...
Põe-na no colo a criança,
E de olhá-la não se cansa,
Beijando-a a todo o momento.

Nisto a mamãe aparece.
Como Bebê lhe agradece,
Com beijos, risos e abraços!
— porém, logo, de repente,
Diz à mamãe, tristemente,
Prendendo-a muito nos braços:

“Mamãe! como sou ingrata!
Com tantos mimos me trata,
Tão boa, tão delicada!
Dá-me vestidos e fitas,
Dá-me bonecas bonitas,
E eu, mamãe, não lhe dou nada!...”

“Tolinha! (A mãe diz, num beijo)
As festas que eu mais desejo,
Ó minha filha, são estas:
A tua meiga bondade
E a tua felicidade...
Não quero melhores festas!”

segunda-feira, 23 de março de 2015

A velhice (Olavo Bilac - 1865 - 1918)


O neto:

Vovó, por que não tem dentes?
Por que anda rezando só.
E treme, como os doentes
Quando têm febre, vovó?

Por que é branco o seu cabelo?
Por que se apóia a um bordão?
Vovó, porque, como o gelo,
É tão fria a sua mão?

Por que é tão triste o seu rosto?
Tão trêmula a sua voz?
Vovó, qual é seu desgosto?
Por que não ri como nós?

A Avó:

Meu neto, que és meu encanto,
Tu acabas de nascer...
E eu, tenho vivido tanto
Que estou farta de viver!

Os anos, que vão passando,
Vão-nos matando sem dó:
Só tu consegues, falando,
Dar-me alegria, tu só!

O teu sorriso, criança,
Cai sobre os martírios meus,
Como um clarão de esperança,
Como uma benção de Deus!

domingo, 22 de março de 2015

Meio-dia (Olavo Bilac - 1865 - 1918)


Meio-dia. Sol a pino.
Corre de manso o regato.
Na igreja repica o sino;
Cheiram as ervas do mato.

Na árvore canta a cigarra;
Há recreio nas escolas:
Tira-se, numa algazarra,
A merenda das sacolas.

O lavrador pousa a enxada
No chão, descansa um momento,
E enxuga a fronte suada,
Contemplando o firmamento.

Nas casas ferve a panela
Sobre o fogão, nas cozinhas;
A mulher chega à janela,
Atira milho às galinhas.

Meio-dia! O sol escalda,
E brilha, em toda a pureza,
Nos campos cor de esmeralda,
E no céu cor de turquesa...

E a voz do sino, ecoando
Longe, de atalho em atalho,
Vai pelos campos, cantando
A Vida, a Luz, o Trabalho.

domingo, 15 de março de 2015

Mulheres que enterram filhos (Denise Emmer - 1958)

Mulheres que enterram filhos
Invertem o curso dos rios

Deságuam o mar em regatos
Antecedem o fim do ato

Tratados de sóis contrários
O trovão antes do raio

São estrelas que se afundam
Big-Bang depois do mundo

Maçãs retornando à árvore
Tropeços da gravidade

Vulcões de tempero frio
Horizontes em desvio

Avesso do negativo
Padecer sem ter nascido

- Mulheres que enterram filhos –

Se alvo de velhas vingas
Se pacto de suicidas

Instauram o não previsto
E deixam pequenos cristos.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Dicionário da língua bela (Denise Emmer - 1958)

- I -

Estrelas de azul vertigem
Nada me dizem falam de si
Maior abismo cava-se aqui

- II -

Amor amor
Viestes vazio
Nada me luz
Nada me cio
Já não me entregas teu rio

Ontem selvagem
hoje sombrio
O que me trazes
Jornal da tarde
Secas folhagens
- horas de estio.

- III -

Das rochas escuto rimas
Deixo que passem pássaros
As palavras as vertigens
Não me aproprio ainda
Do seu imprevisto canto
Escalo a página em branco.

- IV -

O que será a noite noite cheia
Céu que incendeia e nada clara
Nada me fala se não senões
Astros borrões rostos distantes
Quasar pulsante - de nada sei.

terça-feira, 10 de março de 2015

A carta (Denise Emmer - 1958)

Zarparam meus navios mar adentro
Levando minha carta sem palavras
Quando o dizer tudo é dizer nada
Poemas de horizontes reticências

Se posso discorrer a transparência
Já não me afogo em frases para tanto
E o que posto é uma folha em branco
Para dizer-te árvores sem flores

Não traço dores tampouco alegrias
Antes sorria agora sou um livro
Que abriga extensas pausas sem ruído
Quando o dizer mais é dizer findo