quarta-feira, 11 de maio de 2011

Os amantes (Julio Cortazar - 1914-1984)

Quem os vê andar pela cidade
se todos estão cegos?
Eles se tomam as mãos: algo fala
entre os seus dedos, línguas doces
lambem a úmida palma, correm pelas falanges,
e acima a noite está cheia de olhos.

São os amantes, sua ilha flutua à deriva
rumos a mortes na relva, rumo a portos
que se abrem nos lençóis.
Tudo se desordena por entre eles,
tudo encontra seu signo escamoteado;
porém eles nem mesmo sabem
que enquanto rodam em sua amargura arena
há uma pausa na criação do nada
o tigre é um jardim que brinca.

Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes cansados se fitam e se tocam
uma vez mais antes de haurir o dia.

Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E só então,
quando estão mortos, quando estão vestidos,
é que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os seus deveres quotidianos.

2 comentários:

  1. Obrigada, Karine! Seja bem vinda: nesse espaço teremos poesia todos os dias! Sinta-se à vontade para ler os poemos postados...

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