quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A costureira (Eucanaã Ferraz - 1961)

Ela ouve o tecido, ela pousa
o ouvido, ela ouve com os olhos.
À fibra e ao feixe interroga

sobre o que se entrelaçara,
distinguindo a linha, o intervalo,
o vão, o entreato, atenta

para o que na fala geométrica
e repetida dos fios é um outro
vazio: o de antes da trama, ato

anterior ao enredo; óculos
postos para a escuta, a escuta
desfia-se no vento, o olho

flutua, folha, flor, agulha;
fecha os olhos; ouve
com as pontas dos dedos;

indaga do tecido o modo,
os limites, a função, a oficina,
a forma que ele quer ter,

a coisa, a casa que ele quer ser;
e costura como quem à mão
e à máquina descosturasse

o dicionário, rasgando em moles
móbiles seus hábitos, o vinco
de sua farda.

4 comentários:

  1. Um dia destes tens que adpatar o nome do teu blog...Aqui há muito e boa poesia. Grandes escolhas e grande divulgação...

    pessoalmente: agradeço-te:)

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  2. M., sabes que eu já havia pensado nisso? Agora já tenho cá muitas poesias e não somente umas poucas... E não precisa agradecer, não! Qualquer dia virá uma de sua autoria.

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