sexta-feira, 23 de março de 2012

A roupa do rei - Drummondiana (Francisco Alvim - 1938)

Estamos gastos sim estamos 
gastos
O dia já foi pisado como devia 
e de longe nosso coração 
piscou na lanterna sangüínea dos automóveis 
Agora os corredores nos deságuam 
neste grande estuário 
em que os sapatos esperam
para humildemente conduzir-nos a nossas casas
 
Em silêncio conversemos

Que fazer deste ser 
sem prumo 
despencado do extremo de um dia e 
que o sono não recolheu?

Não não indaguemos
Para que indagar matéria de silêncio 
Procurar a nenhuma razão que nos explique 
e suavemente nos envolva 
em suas turvas paredes protetoras
 
Nada de perguntas
A campânula rompeu-se
O instante nos ofusca

A quem sobra olhos resta ver 
um ser nu a vida pouca 
Só dentes e sapatos 
de volta para casa

Nem um passo à frente 
ou atrás
De pés firmes
o corpo oscilante 
neste suave embalo da mágoa 
descansemos

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