sábado, 21 de abril de 2012

Separação (Affonso Romano de Sant'Anna - 1937)

Desmontar a casa

e o amor. Despregar

os sentimentos 
das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas

após a tempestade 
das conversas.



O amor não resistiu 
às balas, pragas,
flores, 
e corpos de intermeio. 


Empilhar livros, quadros, 
discos e remorsos. 

Esperar o infernal 
juízo final do desamor.



Vizinhos se assustam de manhã 

ante os destroços junto à porta: 

- pareciam se amar tanto!

Houve um tempo: 

uma casa de campo, 
fotos de Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.



Amou-se um certo modo de despir-se, 
de pentear-se. 

Amou-se um sorriso e um certo 
modo de botar a mesa.
Amou-se 
um certo modo de amar.



No entanto, o amor bate em retirada 

com suas roupas amassadas, tropas de insultos, 

malas desesperadas, soluços embargados.



Faltou amor no amor? 

Gastou-se o amor no amor? 

Fartou-se o amor?


No quarto dos filhos 
outra derrota à vista: 

bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.


O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.



Erguerá outra casa, o amor? 

Escolherá objetos, morará na praia? 

Viajará na neve e na neblina?



Tonto, perplexo, sem rumo 

um corpo sai porta afora 

com pedaços de passado na cabeça 

e um impreciso futuro. 

No peito o coração pesa 

mais que uma mala de chumbo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário