sábado, 6 de outubro de 2012

O poeta ficou cansado (Adélia Prado - 1935)

Pois não quero mais ser Teu arauto.
Já que todos têm voz,
por que só eu devo tomar navios
de rotas que não escolhi?
Por que não gritas, Tu mesmo,
a miraculosa trama dos teares,
já que Tua voz reboa
nos quatro cantos do mundo?
Tudo progrediu na terra
e insistes em caixeiros-viajantes
de porta em porta, a cavalo!
Olha aqui, cidadão,
repara, minha senhora,
neste canivete mágico:
corta, saca e fura,
é um faqueiro completo!
Ó Deus,
me deixa trabalhar na cozinha,
nem vendedor nem escravidão,
me deixa fazer Teu pão.
Filha, diz-me o Senhor,
Eu só como palavras.

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