segunda-feira, 20 de abril de 2015

Boato (Ferreira Gullar - 1930)

Espalharam por aí que o poema
é uma máquina
ou um diadema
que o poema
repele tudo que nos fale à pele
e mesmo a pele
de Hiroxima
que o poema só aceita
a palavra perfeita
ou rarefeita
ou quando muito aceita a palavra neutra
pois quem faz o poema é um poeta
e quem lê o poema, um hermeneuta.

Mas como, gente,
se estamos em janeiro de 1967
e é de tarde
e alguns fios brancos já me surgem no pentelho?
Como ser neutro se acabou de chover e a terra cheira
e o asfalto cheira
e as árvores estão lavadas com suas folhas
e seus galhos
existindo?
Como ser neutro, fazer
um poema neutro
se há uma ditadura no país
e eu estou infeliz?

Ora eu sei muito bem que a poesia
não muda (logo) o mundo.
Mas é por isso mesmo que se faz poesia:
porque falta alegria.
E quando há alegria
se quer mais alegria!

Nenhum comentário:

Postar um comentário