segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

à maneira do Pessoa (Geraldo Carneiro - 1952)

eu não sei nada.
não sei onde fica a Abissínia,
a Bessarábia, nem o Sri Lanka.
não sei em que descaminhos da História
perdi o Congo Belga e Madagascar.
só conheço as províncias da ficção
essas, infelizmente, imutáveis:
Shangri-lá, Pandemônio, Xanadu
e outros eldorados da imaginação.
desconheço os mistérios da semântica,
misturo alhos e bugalhos,
nenúfares e putifares;
não sei por que torções a linguagem
se empavona ou se desempluma;
em suma, só admiro as palavras
como o selvagem admira um helicóptero.
a despeito dessa sólida ignorância
às vezes por acaso me deparo
com uma cena, um gesto, uma palavra
cujo esplendor desperta um mar de ressonâncias.
e de repente a insolência do sol
ilumina as minhas trevas
e eu sou como um deus parindo o mundo.

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