terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Ao menos (Alexei Bueno - 1963)

As vidas passadas
Talvez tenham tido
Grandes madrugadas
Com maior sentido
Do que os nossos nadas.

Mas em nós saltita
Seco, o coração,
Esponja maldita
A se inflar num vão
Onde ninguém fita.

A pular vermelha,
A encolher-se langue,
Suja bomba velha
Bêbada de sangue
Que só o nada espelha.

Que se estique e encolha
Até a hora em que estoure,
Ridícula bolha
Sem um só que a chore,
Sem quem a recolha.

E então tombe gorda
Dentro de si mesma,
Brinquedo sem corda,
Ressecada lesma
Que já nada acorda.

E ali, sem mais ânsia,
Imprestável odre,
Suma na distância,
Sem a dança podre
Que fez desde a infância.

Mas de ao menos nós
Que o sofremos tanto,
Que ele deixe após
Tanto pranto e espanto
Viva a nossa voz.

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