terça-feira, 31 de julho de 2012

Topologia (Alberto Bresciani - 1961)

A eternidade não vai além
do que em mim
é tanto teu

O tempo perdido
você o leva em ausências

Eu as vejo em ventos
que insistem
e falam corpos

por pouco
os nossos.

Posse (Alberto Bresciani - 1961)

O ar é só pelo:
teu corpo expira
das dobras do mapa

aquece os dedos
saliva doce na boca
as esferas do sal

A falta é tensão
teu vulto invasivo
conturbando o pulso

em pedras candentes
nas farpas da noite

O vento esfria
e explode em tentáculos
da fluida água marinha

vertigem que plana e pesa
por sobre as vozes
os cortes do dia

- teu sempre
no fundo de mim.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A janela encantada (Thiago de Mello - 1926)



A vida sempre foi boa comigo.
Quando soube que o meu coração
estava carregado de sombras,
e que ele só se alimentava de luz,
abriu uma janela no meu peito
para que por ela possam entrar
o resplendor do orvalho,
o fulgor das estrelas
e o invisível arco-íris do amor.

Água e canoa (Thiago de Mello - 1926)

Só cantando me sou todo:
escápula escarnecida,
terçadada exótica, tremor
de coração costurado.
Prefiro cantar na sombra
da constelação de guarda.
É meigo o canto que escorre
pelo peito fatigado,
mas não deixa ver que é lágrima:
chama em vão a água a canoa.

Um fulgor de antemanhã;
a inteligência se livra
da amarra do coração
e o pensamento, menino
descobrindo a vida,
vai para a beira das águas
empurrar o batelão:
viagem de proas altas.

domingo, 29 de julho de 2012

Introdução a repertório selvagem (Olga Savary - 1933)

Nada mais rigoroso que a paixão
pois, obstinada como é, busca-se
na busca do absoluto.

A superficialidade é que não conhece
o rigor e o teme. É então que estou
dentro da vida como em meus livros.

Daí, com uma tenaz e exacerbada,
com uma premeditada tônica
de crueldade e ironia no coração,

leitor, não estranhes a repetição:
propositadamente obsessivos
são os poemas- como a paixão.

Ábaco (Olga Savary - 1933)

Lembro-me como se fosse hoje:
no mato sem cachorro,
mesmo sem cão, não caço com gato
mas tiro meu cavalinho da chuva.
Tarde aprendi que mais vale
um pássaro na mão do que dois voando
e que uma andorinha só não faz verão.
Apanhando como boi ladrão,
o homem é o lobo do homem,
– Ah King Kong,
cada macaco no seu galho.
Sem jeito mandou lembranças.
Boa romaria faz
quem em sua casa fica em paz.
Esperarei sentada.
Vivaldi, vida vida,
Noves fora: nada.

sábado, 28 de julho de 2012

Trajetória de antes (Mariana Ianelli - 1979)

Girando na bolha de sal
eu falo contigo e te recebo
no tempo primário
em que me ensinas o amor.
Um passo em falso
me derruba e eu dissipo
mas tu és boa
e me trazes devagar
como quem segura um mundo.
Tua explosão irrompe
tingida de fogo
e dói-te tão fundo
que eu estremeço
e um amor de meses
vaza todo, extravasa.
Desde que me conjugo
(eu sou, eu estou)
dou-te um nome de santa.
Viajo num estouro de luz
que te queima, te arregaça.
Eu tenho o destino dos homens.
Fora de ti, quebrado o pacto,
te encontro uma segunda vez.

Leitura das Cartas (Mariana Ianelli - 1979)

Te decidirás
Entre duas Américas
Num breve recolher de âncoras.
E será sem volta a tua decisão.

Terás espírito,
Impérios e dotes
E perderás um a um todos eles.
Tua fortuna desperdiçada em vão.

Vês aquela menina?
Alheio à sorte, não podes vê-la:
Falta-te o conhecimento do oculto.
Essa criança será tua mulher daqui a vinte anos.

Nenhum pudor em tua alegria
(Só volúpia e picardia)
No momento oportuno de o teu rosto
Converter toda beleza em mentira.

Tornarás à casa da ladeira
E o futuro será mais do que destruição.
Tal como antigamente estarão lá
As palmeiras, o lusco-fusco e o uivo dos cães.

Sentirás uma vertigem,
Mas não seu estranho sinal.
Outra vertigem no exílio da madrugada
E o pesadelo do inconsciente adormecerá a tua razão.

Saberás estar sozinho,
Coberto de idéias miraculosas.
Teu amor pela astronomia
Será maior do que o teu amor pelos homens.

Não questionarás a alegoria da vida
Até os teus quarenta e cinco,
Quando te descobrirás um místico
E num desvario este poema será escrito.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Eu (Paulo Leminski - 1944 - 1989)

eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora

quem está por fora
não segura
um olhar que demora

de dentro de meu centro
este poema me olha

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Um beijo (Ana Cristina Cesar - 1952 - 1983)

Um beijo
que tivesse um blue.
Isto é
imitasse feliz a delicadeza, a sua,
assim como um tropeço
que mergulha surdamente
no reino expresso
do prazer.
Espio sem um ai
as evoluções do teu confronto
à minha sombra
desde a escolha
debruçada no menu;
um peixe grelhado
um namorado
uma água
sem gás
de decolagem:
leitor embevecido
talvez ensurdecido
"ao sucesso"
diria meu censor
"à escuta"
diria meu amor

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Vaso chinês (Alberto de Oliveira - 1859 - 1937)

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Soneto de constatação - XXVII (Pedro Lyra - 1945)

Amor — única síntese da vida.
E o só se atinge por curvas, de viés:
se se quiser amar
— tem-se que conceder;
se se quer ser amado
— tem-se que denegar.

Infunde náusea ou júbilo, sem meio-termo.
Se às vezes satisfaz, quase sempre contraria:
queremos reter o gozo
— desliza na fruição;
queremos deter a dor
— se petrifica na mágoa.

Põe um sentido à vida
fugaz — por já passando;
pospõe-lhe um sem-sentido
constante — por presente.
E nos larga no éter, sem referência e sem volta.

Amante
não se sabe o que fazer com esta graça.
Amado
não se sabe o que fazer com esta fonte.

Triste: só o não-amante sabe ser amado.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Quanto, quanto me queres (António Botto - 1902 - 1959)

Quanto, quanto me queres? — perguntaste
Numa voz de lamento diluída;
E quando nos meus olhos demoraste
A luz dos teus senti a luz da vida.

Nas tuas mãos as minhas apertaste;
Lá fora da luz do Sol já combalida
Era um sorriso aberto num contraste
Com a sombra da posse proibida...

Beijámo-nos, então, a latejar
No infinito e pálido vaivém
Dos corpos que se entregam sem pensar...

Não perguntes, não sei — não sei dizer:
Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.

domingo, 22 de julho de 2012

A arte de infantilizar formigas (Manoel de Barros - 1916)

Depois de ter entrado para rã, para árvore, para pedra
- meu avô começou a dar germínios
Queria ter filhos com uma árvore.
Sonhava de pegar um casal de lobisomem para ir
vender na cidade.
Meu avô ampliava a solidão.
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do
quintal : Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra
dentro.
Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato.
Se diz que o lagarto entrou nas folhas, que folhou.
Aí a nossa mãe deu entidade pessoal ao dia.
Ela deu ser ao dia,
e Ele envelheceu como um homem envelhece.
Talvez fosse a maneira
Que a mãe encontrou para aumentar
as pessoas daquele lugar
que era lacuna de gente.

sábado, 21 de julho de 2012

Transposição (Orides Fontela - 1940 - 1998)

Na manhã que desperta
o jardim não mais geometria
é gradação de luz e aguda
descontinuidade de planos.

Tudo se recria e o instante
varia de ângulo e face
segundo a mesma vidaluz
que instaura jardins na amplitude

que desperta as flores em várias
coresinstantes e as revive
jogando-as lucidamente
em transposição contínua.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Quase calçada (Fabiano Calixto - 1973)

coagulada paisagem
- um corpo caído - dor-
mido desprezo

pétala mais cheirosa
cerimônia de
abutres e corvos

(pulsações
movimentos
excreções em quase pedra)

rastro de mosca-bicheira
imperceptível:
quase calçada

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Para sempre (Carlos Drummond de Andrade - 1902 - 1987)

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

o tal (Luis Turiba - 1950)


todo vira-lata
com aquele olhar de pidão
sabe mais que um ladrão
a hora de atacar

o vira-lata tudo entende
e não se entedia
o vira-lata entende o discurso do hipócrita
o vira-lata entende o canalha cara de pau

o vira-lata fica ali sossegadinho
só olhando o churrasquinho
imaginando-se o tal

terça-feira, 17 de julho de 2012

Habitar o tempo (João Cabral de Melo Neto - 1920 - 1999)

Para não matar seu tempo, imaginou:
vivê-lo enquanto ele ocorre, ao vivo;
no instante finíssimo em que ocorre,
em ponta de agulha e porém acessível;
viver seu tempo: para o que ir viver
num deserto literal ou de alpendres;
em ermos, que não distraiam de viver
a agulha de um só instante, plenamente.
Plenamente: vivendo-o de dentro dele;
habitá-lo, na agulha de cada instante,
em cada agulha instante: e habitar nele
tudo o que habitar cede ao habitante.

2

E de volta de ir habitar seu tempo:
ele corre vazio, o tal tempo ao vivo;
e como além de vazio, transparente,
o instante a habitar passa invisível.
Portanto: para não matá-lo, matá-lo;
matar o tempo, enchendo-o de coisas;
em vez do deserto, ir viver nas ruas
onde o enchem e o matam as pessoas;
pois como o tempo ocorre transparente
e só ganha corpo e cor com seu miolo
(o que não passou do que lhe passou),
para habitá-lo: só no passado, morto.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Declaração de bens (José Paulo Paes - 1926 - 1998)

meu deus
minha pátria
minha família

minha casa
meu clube
meu carro

minha mulher
minha escova de dentes
meus calos

minha vida
meu câncer
meus vermes

domingo, 15 de julho de 2012

Conto (Prisca Agustoni - 1975)

Tenho três filhos na carne
muitos outros no mundo

            o amor, incontido
antecipa as antecipações.

Sou toda água,
mas não nasço do mar.
Meu sentir é noturno
e invadido de incêndios.

No entanto
tenho o coração de pássaro.

sábado, 14 de julho de 2012

Realejo (Cecília Meireles - 1901 - 1964)

Minha vida bela,
minha vida bela,
nada mais adianta
se não há janela
para a voz que canta...

Preparei um verso
com a melhor medida:
rosto do universo,
boca da minha vida.

Ah! mas nada adianta,
olhos de luar,
quando se planta
hera no mar,

nem quando se inventa
um colar sem fio,
ou se experimenta
abraçar um rio...

Alucinação
da cabeça tonta!

Tudo se desmonta
em cores e vento
e velocidade.

Tudo: coração,
olhos de luar,
noites de saudade.

Aprendi comigo.
Por isso, te digo,
minha vida bela,
nada mais adianta,
se não há janela
para a voz que canta...

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Canção suspirada (Cecília Meireles - 1901 - 1964)

Por que desejar libertar-me,
se é tão bom não ver o teu rosto,
se ando em meu sonho como, num rio,
alguém que é feliz e está morto?

Por que pensar em qualquer coisa,
se tudo está sobre a minha alma:
vento, flores, água, estrelas,
e músicas de noite e albas?

Nos céus em sombra, há fontes mansas
que em silêncio e esquecida bebo.
Flui o destino em minha boca
e a eternidade entre os meus dedos...

Por que fazer o menor gesto,
se nada sei, se nada sofro,
se estou perdida em mim, tão perdida
como o som da voz no seu sopro?

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Viver (Carlos Drummond de Andrade - 1902 - 1987)

Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?

E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?

Isso, ou menos que isso,
uma noção de porta,
o projeto de abri-la
sem haver outro lado?

O projeto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?

Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Tema e voltas (Manuel Bandeira - 1886 - 1968)

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se nos céus há o lento
Deslizar da noite?

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se lá fora o vento
É um canto na noite?

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se agora, ao relento,
Cheira a flor da noite?

Mas para quê
Tanto sofrimento,
Se o meu pensamento
É livre na noite?

terça-feira, 10 de julho de 2012

O Deus de cada homem (Carlos Drummond de Andrade - 1902 - 1987)

Quando digo "meu Deus",
afirmo a propriedade.
Há mil deuses pessoais
em nichos da cidade.

Quando digo "meu Deus",
crio cumplicidade.
Mais fraco, sou mais forte
do que a desirmandade.

Quando digo "meu Deus",
grito minha orfandade.
O rei que me ofereço
rouba-me a liberdade.

Quando digo "meu Deus",
choro minha ansiedade.
Não sei que fazer dele
na microeternidade.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Desamores (Reynaldo Jardim - 1926 - 2011)


Quero me despojar
de tudo o que não tenho.
Limpar meus horizontes
de artes e de engenho.
Quero me desfazer
de tudo o que não tive.
A certeza certeira
de quem viveu não vive.
Quero me entristecer
de alegria e calma.
Olhar no espelho e ver
a cara de minha alma.
E quero dessofrer
o que nunca sofri.
O gosto do prazer:
sumo de sapoti.

domingo, 8 de julho de 2012

A Casais Monteiro, podendo servir de epitáfio (Eugénio de Andrade - 1923-2005)

O que dói não é um álamo.
Não é a neve nem a raiz
da alegria apodrecendo nas colinas.
O que dói

não é sequer o brilho de um pulso
ter cessado,
e a música, que trazia
às vezes um suspiro, outras um barco.

O que dói é saber.
O que dói
é a pátria, que nos divide e mata
antes de se morrer.

sábado, 7 de julho de 2012

Ode (José Paulo Paes 1926 - 1998)


Uma palavra esquecida
À beira do precipício
Onde o suicida hesitou.
Uma palavra tranquila
Em meio ao pânico, voz
Sem equívoco, harmonia
De harpas antecipadas.
Uma palavra roubada
A outro alfabeto, onde o lobo
Já não uive, onde o revólver
Desobedeça ao gatilho.
Uma palavra mais forte
Que todo gesto de raiva,
Que todo grito de morte.
Uma palavra ofertada
Ao homem que, do presente,
Dialoga com seu futuro.
Uma palavra que traz
Em si muitas outras: PAZ.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Como se o vento (Ana Paula Inácio - 1966)

como se o vento trouxesse
recados
que pudesse abandonar
ao serviço do mensageiro

como se o vento te pudesse
levar e as palavras transformar
no milagre da cerejeira

não descuides o vento
que quem uiva
é lobo faminto

rodeia-te antes do essencial
faz-te cozinheira, semeia o teu quintal

o que por natureza rola
há-de rolar
e tu sozinha
o que podes contra o vento?

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Adiós (Antonio Gamoneda - 1931)

Ésta es la tierra, donde el sufrimiento
es la medida de los hombres. Dan
pena los condes con su fiel faisán
y los cobardes con su fiel lamento.

La belleza nos sierve de tormento
y la injusticia nos concede el pan.
Un día brindaréis por los que habrán
convertido el dolor en fundamento.

Los que vivimos para dar alcance
a tan imensa luz que hoy no podría
un dios mirarla sin quedarse ciego,

aún tendremos que agotar el lance:
arojar al silencio la agonía
como quien tira el corazón al fuego.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Não te rendas jamais (Eduardo Alves da Costa - 1936)

Procura acrescentar um côvado
à tua altura. Que o mundo está
à míngua de valores
e um homem de estatura justifica
a existência de um milhão de pigmeus
a navegar na rota previsível
entre a impostura e a mesquinhez
dos filisteus. Ergue-te desse oceano
que dócil se derrama sobre a areia
e busca as profundezas, o tumulto
do sangue a irromper na veia
contra os diques do cinismo
e os rochedos de torpezas
que as nações se antepõem a seus rebeldes.
Não te rendas jamais, nunca te entregues,
foge das redes, expande teu destino.
E caso fiques tão só que nem mesmo um cão
venha te lamber a mão,
atira-te contra as escarpas
de tua angústia e explode
em grito, em raiva, em pranto.
Porque desse teu gesto
há de nascer o Espanto.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Algo maior do que tu mesmo (Eduardo Alves da Costa - 1936)

Em teu coração aferrolhado
fervem mil desejos;
são eles que te levam
a cada novo dia, sempre adiante,
sempre, embora não saibas para onde
te arrasta o teu destino.
Enlouquecido, corres, avassalado por teus anseios,
sem que a pressão diminua
em teu coração prestes a explodir.
Mas dentro de ti algo te diz
que é preciso serenar o espírito,
antes que o homem-máquina se precipite
no abismo. Só então, quando mais nada desejares,
e teu coração, vazio, for abandonado
ao seu próprio ritmo,
entrarás no Reino dos Céus.
Não pelo que um dia sonhaste possuir
mas por algo maior do que tu mesmo
e que ainda desconheces.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Canção do exílio (José Paulo Paes - 1926 - 1998)

Um dia segui viagem
sem olhar sobre o meu ombro.

Não vi terras de passagem
Não vi glórias nem escombros.

Guardei no fundo da mala
um raminho de alecrim.

Apaguei a luz da sala
que ainda brilhava por mim.

Fechei a porta da rua
a chave joguei ao mar.

Andei tanto nesta rua
que já não sei mais voltar.

Poética (José Paulo Paes - 1926 - 1998)

Não sei palavras dúbias. Meu sermão
Chama ao lobo verdugo e ao cordeiro irmão.

Com duas mãos fraternas, cumplicio
A ilha prometida à proa do navio.

A posse é-me aventura sem sentido.
Só compreendo o pão se dividido.

Não brinco de juiz, não me disfarço em réu.
Aceito meu inferno, mas falo do meu céu.

domingo, 1 de julho de 2012

Quem de meus versos a lição procura (Correia Garção - 1724 - 1772)

Quem de meus versos a lição procura,
os farpões nunca viu de amor insano,
nem sabe quanto custa um vil engano
traçado pela mão da formosura.

Se o peito não tiver de rocha dura,
fuja de ouvir contra tamanho dano,
que a desabrida voz do desengano,
o mais firme semblante desfigura.

Olhe, que há de chorar, vendo patente
em tão funesta, e lagrimosa cena
o cadafalso infame, e sanguinoso.

Verá levado à morte um inocente:
e condenado à vergonhosa pena
o mais fiel amor, mais generoso.