domingo, 18 de agosto de 2013

Escarpa (Ivan Junqueira - 1934)

Vem. É por aqui.
É por aqui a escarpa
onde te aguarda
a áspera escalada.
Nem relva nem regato,
tampouco uma árvore
que te agasalhe
ou solitário galho
cuja sombra magra
de ti se apiade.
Sequer um pássaro
(às vezes, mas é raro,
o ninho ensanguentado
de uma ou outra águia).
Apenas o calcário
de trilha que se arrasta,
pedregosa e escassa,
entre urtigas e cactos.

A esperança não importa,
nem o amor, nem a saudade
dos que te amaram
e ficaram lá embaixo.
Mas uma pedra te cabe
e hás de levá-la
até às bordas da escarpa,
mesmo que saibas
(e este é o caso)
que ela depois desaba
encosta abaixo,
e que ainda uma vez
e outra vez mais
te cabe apenas carregá-la
rumo ao topo ensolarado,
como se leva um fardo
(talvez o teu cadáver)
sobre o arco das espáduas.

Vem. É por aqui.
É por aqui a escarpa
que hás de galgar
em direção ao nada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário