sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Carta a meu filho (Erich Kästner - 1899 - 1974)

Afinal, eu quisera ter um filho
Forte e inteligente como essas crianças de hoje.
Só uma coisa me falta para esse menino.
Falta-lhe apenas a mãe.

Não é qualquer moça que serve para esse fim.
Há longos anos eu a estou procurando.
A felicidade é mais rara que os feriados,
E tua mãe nada sabe ainda de nós, meu filho.

Mas um belo dia começas a existir,
E já me alegro por isso.
Aprendes a correr, aprendes a viver,
E o que daí resulta chama-se: uma existência.

A princípio, apenas gritas e gesticulas,
Até passares a outros atos,
Até que teu corpo e teus olhos cresçam
E compreendas o que é preciso compreender.

Quem começa a compreender já não entende mais nada
E olha estarrecido para o teatro do mundo.
No começo, criança necessita muito de mãe.
Mas quando ficares maior, precisarás de teu pai.

Quero levar-te às minas de carvão.
Quero mostrar-te os parques com palácios de mármore.
Tu me fitarás, sem compreender.
Mas eu vou te esclarecer, criança, e me calarei.

Quero ir contigo a Vaux e Ypres
E lá olhar o mar de cruzes brancas.
Ficarei quieto, nada insinuando.
Mas quando chorares, meu filho, eu estarei de acordo.

Não quero te dizer como vão as coisas,
Quero te mostrar como a coisa é.
Pois a razão só pode vencer por si mesma.
Quero ser teu pai, e não um profeta.

Se entretanto fores um homem como a maioria,
Apesar de tudo que te fiz ver,
Um homem como qualquer outro, fabricado em série,
Então jamais serás o que deve ser: meu filho.

* Poema traduzido por Carlos Drummond de Andrade, cuja tradução consta da obra "Poesia Traduzida", editada em 2011 pela Cosac Naify

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