Eu caminhava nu, sem que você me visse.
Para que você visse, eu caminhava sem.
Você não via. Pra que você soubesse,
eu caminha nem, sem que você visse,
eu caminhava livre, além do limite de
ser ninguém, sem remo e sem alento,
o andar isento quase de mim mesmo,
num estranho, cansado engano,
sem âncora, no vento, e mais contente.
Nu, livro ao avesso; nu, anel sem dedo;
nu, anel sem dentro; nu, a pedra
bruta; nu, um livro bruto, antes
do acabamento, cimento grosso,
na antemão da cal, da letra, descampado,
como se a mão de alguém me desenhasse,
antiquissimo, no dorso de um vaso.
Sem poder ser belo, sem poder ser feio,
coisa-coisa no espaço, no tempo, eu ia.
O sol me reconhecia: eu era o filho
mais novo do boro e do alumínio.
Meu passo exalava o hálito do barro.
As crianças me apontavam, riam.
Tudo se condensava à minha roda.
No entanto, nenhuma flor surgia
nos meus passos: os brejos permaneciam
sáfaros, cobertos de urzes, sem que nada
fosse esquivo, estranho ou intratável,
nenhum recife, navalha ou gesto sórdido.
E para que se desse a ver, meu silêncio
dizia: cabelo, pele. Sorri: os anjos de pedra
me acenaram. Eu caminhava sem,
em você, sem que você me visse.
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