Tanto silêncio no ringue, no ringue
e na fome, tanto burburinho zoando simultaneamente,
que não posso distingui-los. E mesmo antes dos golpes
na cabeça, e mesmo antes de qualquer golpe
revolvendo as entranhas pelo avesso
(antes dos 4.500 quilos por impacto), e, mesmo antes,
tanto silêncio no ringue, no ringue
e na fome, tanto burburinho zoando
simultaneamente, que não posso distingui-los.
O ringue é o ringue, a fome é a fome, mas no ringue
(como na fome, como na fome do ringue, como no ringue
da fome), o silêncio é silêncio e burburinho,
e o burburinho, burburinho e silêncio. Quando,
no canto do amparo – sentado, curativos imediatos,
os segundos trabalhando a meu favor, a respiração em busca
de um ponto pacífico –, ouço a voz nítida do treinador
se erguendo do alarido da multidão e de ninguém,
não a escuto como um mandamento: infiel
e pecador, poderia traí-la. Escuto essa voz
desenrolar as últimas ataduras que envolvem o punho
do meu coração, espremê-lo ao sumo,
ao ponto de o gosto do sangue (de o gosto da fome) brotar comprimindo as gengivas por entre os dentes e o protetor,
me dando a certeza de que o próximo soar do gongo
será o último badalo com o qual meu adversário sonhará
antes de beijar a encardida lápide da lona.
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